Por Silvio Gioppato (*)
Em 2000, diante de números assustadores sobre a prevalência e fatalidade das doenças cardiovasculares (DCV) no mundo todo, a World Heart Federation (WHF) escolheu o dia 29 de setembro como o “Dia Mundial do Coração”. O objetivo principal era alertar a população global sobre a importância e a gravidade das patologias de coração e circulação, bem como estimular a reflexão sobre como evitar e combater esse problema de saúde pública mundial.
Passados 22 anos, apesar de todos os esforços, as DCV permanecem no topo da lista das causas de morte no mundo todo. Mata mais do que guerras, acidentes e cânceres. As últimas estimativas revelam uma tempestade de doenças crônicas crescentes alimentadas pelas falhas na saúde pública combinadas à pandemia de Covid-19.
Dados do levantamento global da carga de doenças cardiovasculares e fatores de risco, de 1999 a 2019, (Global Burden of Cardiovascular diseases and Risk Factors, 1999 – 2019), publicado na respeitada revista científica do colégio americano de cardiologia (Journal of American College of Cardiology. 2020; 76(25): 2982 – 3021), mostram que a prevalência das DCV quase dobrou nos últimos trinta anos, saltando de 271 milhões em 1990 para 523 milhões em 2019. O número de mortes por elas, que em 1990 foi de 12,1 milhões, em 2019 atingiu o recorde de 18,6 milhões. Para efeito de comparação, é como se 85% da população da região metropolitana de São Paulo com seus 22 milhões de habitantes distribuídos em 39 municípios tivesse desaparecido num único ano, não por uma catástrofe nuclear, mas por mortes cardiovasculares.
As DCV, quando não matam, podem deixar sequelas que tiram qualidade de vida ou incapacitam pessoas para o trabalho e para a rotina diária. A mesma pesquisa aponta, por exemplo, que o número de anos vividos com incapacidade física por causa de um evento cardiovascular dobrou no mesmo período do estudo, passando de 17,7 para 34,4 milhões.
Doenças cardiovasculares têm forte relação com fatores de risco como hipertensão, diabetes, colesterol, obesidade, sedentarismo, tabagismo e outros. A maioria é evitável e tratável, e enfrentá-los é fundamental para prevenir o aparecimento, a progressão e as complicações das enfermidades, o que traria enormes benefícios sociais e econômicos. Contudo, além de não serem observados avanços nesse sentido na maior parte do mundo, nos EUA, após décadas de melhora nos índices, agora se observa o recrudescimento das mortes cardiovasculares, em especial as de causa isquêmica. A que podemos atribuir isso? Primeiro, à promessa não cumprida de prevenção das doenças por meio de ações ou incentivos governamentais que possibilitem comportamentos mais saudáveis e acesso a recursos de saúde. Segundo, falhamos como sociedade organizada, na conscientização das pessoas sobre a importância de modificarem sua relação com comportamentos prejudiciais à saúde, especialmente aqueles relacionados à qualidade da dieta, ingestão calórica e atividade física.
O que podemos, ou devemos, fazer então? É obrigação de todos, governos, sociedades médicas, empresas de saúde (hospitais e operadoras) e sociedade civil cumprirem a agenda proposta pela WHF lá no ano 2000 e trabalharmos de forma vigorosa e incisiva na divulgação e conscientização sobre a importância e gravidade das DCV, seus fatores de risco e medidas preventivas. É necessário que se criem políticas públicas que dificultem ou desestimulem o acesso a alimentos hiperprocessados e hipercalóricos, ricos em açúcares e sal. Precisamos estimular a alimentação saudável, a prática de atividade física regular, o controle do peso, o abandono do tabagismo. E tudo passa também pelo respeito ao meio ambiente e clima. Cidades mais verdes e com transporte público eficiente diminuem um fator de risco poderoso, porém invisível: o estresse. O aquecimento global tem propiciado mais dias de temperaturas extremas, e é sabido que tanto o frio como o calor excessivo são prejudiciais ao sistema cardiovascular.
Como visto, não temos muito a comemorar nesse dia 29 de setembro, mas temos muito a fazer!
(*) Silvio Gioppato é médico cardiologista no Vera Cruz Hospital.